O director-geral do AC Marinhense revela que com a pandemia os patrocínios caíram para um terço e garante que a constituição de uma SAD deixou de ser uma prioridade.
O João Mendes assumiu as funções de director-geral do Atlético Clube Marinhense. Que cargo é esse?
Criámos esta figura porque o presidente da Direcção é empresário, passa muito tempo no estrangeiro e é preciso continuar a tomar decisões. Estou em plena ligação com o Mário Fernandes, reporto-lhe tudo o que faço, mas tomo as deliberações diárias.
Logo para começar teve de enfrentar a pandemia. De que forma afectou as finanças do Marinhense?
Sentimos por parte das empresas um receio muito grande. Houve uma travagem total nos patrocínios de curto prazo e aqueles patrocinadores com contratos plurianuais mostraram algum receio e pediram-nos para rever em baixa os contratos. Os apoios diminuíram para um terço, o que nos obrigou a uma reflexão e a uma reorganização, com dois objectivos principais. O primeiro é estruturar o futuro do Marinhense de forma sustentável e o segundo é o clube viver com aquilo que tem. Significa viver com um pouco mais de um terço relativamente à época anterior.
Que consequências imediatas terá?
A curto prazo, os orçamentos das equipas sénior e sub-23 vão decrescer muito. Salvaguardámos o futebol de formação, que terá pequenos ajustes. Tivemos o cuidado de explicar isso aos jogadores que estavam no plantel, todos foram convidados a ficar e, neste momento, temos 16 com vínculo. Faltam-nos quatro jogadores, mas estamos a respeitar rigorosamente o orçamento que definimos.
Todos os jogadores vão receber menos?
Sim. Não há quem mantenha. Temos de diminuir o orçamento por forma a garantir o cumprimento do mesmo. Obviamente, havendo uma almofada em algum momento, se as coisas não forem tão difíceis como perspectivamos, teremos o cuidado de ajustar.
Como reagiram os futebolistas?
Curiosamente, reagiram bem. Também tem que ver com a nossa postura. Sempre fomos pessoas cumpridoras e perceberam que não é má-vontade. É uma dificuldade financeira que todos os clubes, sem excepção, vão passar.
O clube não vai ter jogadores profissionais?
Nem sequer vamos poder ter jogadores a que o clube garanta casa e alimentação. Sai muito caro ter de pagar água, luz, gás, limpeza, alimentação e internet. Já não é possível ter jogadores deslocados. Com a nova legislação, os futebolistas estrangeiros, além da despesa, terão de receber o salário mínimo. Tudo isto vai mexer com os orçamentos das equipas.
O colombiano Jair Mosquera fica.
Ele será o único deslocado, porque já não é nosso jogador. Tem contrato com outro clube que está nas provas profissionais, que o cedeu ao Marinhense. Vamos ficar com o Jair sem ter qualquer custo.
É uma questão de sobrevivência.
O Marinhense só tem uma via para tornar o clube sustentável, que é apostar no futebol de formação e depois colher esses frutos no futebol sénior. É por isso que na próxima época dois terços do plantel sénior vem do futebol de formação, formados no clube ou pelo menos no distrito de Leiria. Não vamos abdicar dessa perspectiva. Em termos regulamentares, a FPF aperta cada vez mais nesse aspecto. Nós concordamos, vamos dar seguimento ao nosso projecto e lançar nos seniores dois miúdos com idade de júnior e sete que saíram dos sub-23.
O Campeonato de Portugal vai sofrer uma alteração competitiva e em 2021/22 haverá uma 3.ª Liga. É um objectivo?
Os subsídios camarários são residuais se não estivermos na 3.ª Liga. Ou chegamos lá ou vamos ter muitas dificuldades em termos orçamentais para 2021/22. Mas é uma questão difícil, porque será uma competição que juntará equipas do Minho ao Algarve. Serão custos enormes, mas somos ambiciosos.
A equipa sub-23 vai continuar?
Ponderámos, por questões financeiras, a sua continuidade, mas percebemos que este ano vamos colher os frutos do trabalho desenvolvido nos anos anteriores. Sentimos que não fazia sentido abdicar dessa equipa. Na próxima época vamos continuar a apostar nos jogadores formados no clube e recrutar no distrito talento que acreditamos que pode chegar à equipa principal.
A pandemia também exigirá grandes mudanças nas infra-estruturas.
Estamos preocupados. Um dos grandes apoios que a Câmara Municipal da Marinha Grande pode dar é precisamente ajudar os clubes nas suas infra-estruturas, porque vão ter de ser adaptadas a uma nova realidade, muito mais exigente. O problema é que o regulamento camarário só vai abrir em Dezembro, o que significa que teremos de fazer obras antes de recebermos qualquer tipo de apoio.
É na Portela que vão jogar na próxima época?
Entendemos que faz sentido voltarmos a jogar com todas as equipas no campo da Portela, exceptuando os seniores quando tiverem transmissão televisiva no canal 11, sendo que esse é um veículo de promoção muito grande para o clube, para os patrocinadores e para o Município. O problema é que o Estádio Municipal não reúne condições para transmissão televisiva, porque a intervenção feita na iluminação foi insuficiente.
Além do corte orçamental, como pensam reagir à crise?
Percebemos que temos de depender menos dos patrocinadores, menos de mecenas, e que temos de avançar na área comercial, que não temos explorado muito. Teremos uma loja física, outra online e pensamos recolher receita por essa via. Conseguimos, por intermédio de protocolos, explorar esferas que consideramos fundamentais, como os seguros ou as viagens. Concebemos uma rede de descontos em lojas para os nossos associados. Também vamos criar a ACM TV, num protocolo com a rádio local, de forma a dar outra visibilidade aos nossos patrocinadores nas transmissões dos jogos em directo.
A interrupção dos campeonatos por causa da pandemia impediu que a equipa juvenil subisse aos campeonatos nacionais e que a de juniores pudesse lutar pela promoção à 1.ª Divisão nacional. Sentem-se prejudicados?
Importa dizer que a Federação Portuguesa de Futebol ainda não tomou uma decisão definitiva. Sendo reconhecido o mérito desportivo, a nossa equipa de juvenis tem de ir para o Campeonato Nacional e a equipa de juniores tem de ter o direito de mostrar dentro de campo que poderia ascender à 1.ª Divisão. Por isso, defendemos o alargamento e estar a projectar a próxima época sem esgotar essa possibilidade não nos parece adequado. Achamos fundamental para o nosso projecto desportivo ter todas as equipas de formação no campeonato nacionais.
A questão da SAD de que tanto se falou está completamente posta de parte?
Sim. Todos os clubes passam por dificuldades financeiras e quando se fala em SAD pensa-se de dinheiro. Há sempre a perspectiva de que as SAD vêm resolver todos os problemas, acreditámos nessa possibilidade, mas rapidamente percebemos que não há milagres. As pessoas que querem meter dinheiro nos clubes querem tirar de alguma maneira. Não é que não acreditemos nas SAD, mas temos algumas dúvidas de que seja por essa via que se podem resolver os problemas. Neste momento, o que vamos fazer é estruturar o clube com meios próprios e aguardar que, um dia, possa apareceu um investidor sério, que perceba a estrutura e o projecto desportivo, que ache interessante investir no Marinhense. Não estamos à espera que apareça alguém para resolver os nossos problemas, até porque o clube, neste momento, tem zero de passivo.
Jornal de Leiria