A proposta enviada pelos clubes do Campeonato de Portugal à Federação Portuguesa de Futebol para a reformulação dos quadros competitivos do futebol nacional na sequência da paragem a que o futebol foi forçado pela Covid19 faz todo o sentido se virmos a realidade do ponto de vista de quem lá está, num campeonato que reúne 72 equipas, apura um campeão, só promove dois emblemas para o escalão acima e faz descer 20 para os distritais. É um afunilamento nada razoável, pelo que se compreende a pressão. Mas a realidade, nestas coisas, vê-se ao contrário. Define-se de cima para baixo. E, ainda assim, será possível melhorar o que existe neste momento, que é um futebol com poucas perspetivas aspiracionais para quem está no Campeonato de Portugal e nos distritais.
Começando de cima para baixo, quem vai decidir depara-se logo com a primeira questão, que tem a ver com a definição do campeão. A UEFA já disse o que tinha a dizer – e nunca me passou sequer pela cabeça que dissesse algo de diferente – estipulando que brevemente vai definir uma data para aceitar inscrições para as suas competições, mas que não vai meter-se na definição dos campeões de cada país. Só mesmo uma visão provinciana, daquelas que até já Eça de Queiroz arrasava, poderia pensar que seria a UEFA a chegar aqui e a dizer à Liga Portugal que o campeão é o FC Porto porque vai à frente ou que é o Benfica porque ia à frente no final da primeira volta, quando todos os clubes jogaram contra todos uma vez apenas. E é claro que há situações diferentes em diferentes países da Europa. E se, embora isso me faça alguma confusão, até aceitaria que os ingleses declarassem o Liverpool FC campeão – leva 25 pontos de avanço do segundo, a dez jornadas do fim – não concebo que a Liga Portugal possa definir um campeão sem que se jogue o que falta da nossa competição.
A prioridade é, assim sendo, jogar. E parece que é isso que a Liga quer. Quando for possível, sem colocar em risco a saúde de ninguém, nem dos jogadores, nem dos treinadores, nem muito menos dos espectadores – e os ingleses, por exemplo, estão a falar de um final e época concentrado numa só região, com jogos à porta fechada. Não sendo possível jogar, há que distinguir distinções honoríficas e distinções práticas. E aí, as honoríficas deverão ficar por atribuir, enquanto as práticas devem ser encaradas numa perspetiva não penalizadora. O que quero dizer com isto? Que se não for possível retomar a competição em tempo útil, a Liga Portugal não deve atribuir o título de campeão em 2019/20, devendo depois utilizar as classificações atuais para definir o acesso às competições europeias e as subidas, mas não condenar equipas a uma despromoção de que elas, na prática, ainda poderiam fugir. Portanto: alargamento? Sim. E sem dramas, que a verdadeira diferença no futebol português não é se o campeonato principal tem 18 ou 20 equipas, mas sim se tem 18 ou 10 equipas. De resto, entre 16, 18 ou 20, a diferença ao nível da competitividade é nula
Aqui chegados, sim, será preciso começar a desenhar os quadros competitivos daí para baixo. O que defendo é uma época com 20 equipas na I Liga – as 18 que já lá estão, mais o Nacional e o Farense – e outras 20 na II Liga – as 16 restantes, salvando CD Cova da Piedade e Casa Pia, que pareciam encaminhados para a descida, e juntando-lhes os líderes das quatro séries do Campeonato de Portugal. Ora aqui também me pareceria mais ou menos pacífica a subida de FC Vizela (oito pontos de avanço sobre a AD Fafe), Arouca FC (oito pontos de vantagem sobre o Lusitânia) e Praiense (onze pontos à frente do Benfica de Castelo Branco), mas já pode ser polémica a decisão do Grupo D, onde Olhanense e Real estão empatados. Ainda assim, não há como fugir ao facto de os algarvios terem vantagem no confronto direto e optar por eles, numa situação que está longe de ser ideal mas é a possível. Até porque a solução proposta pelos clubes do Campeonato de Portugal – alargamento da II Liga para dois grupos de 14, com a inclusão de mais quatro equipas B e dos segundos classificados dos quatro grupos atuais, ia destruir o mais competitivo dos escalões do futebol nacional e seria também injusta para os atuais terceiros, alguns em posição de poderem também lutar pela subida.
De qualquer modo, a verdadeira revolução teria de vir daí para baixo, com a introdução de mais um escalão, que faz todo o sentido para assegurar a fluidez de subidas e descidas entre Campeonato de Portugal e II Liga e, abaixo, entre distritais e Campeonato de Portugal. Porque se não faz sentido que os vencedores das séries do Campeonato de Portugal possam acabar por não subir à II Liga, faz ainda menos sentido que 20 das 72 equipas nele presentes tenham de ser condenadas à descida aos regionais para a prova poder acolher os campeões distritais. O que faria sentido aqui era a criação de um escalão intermédio – e ele está na proposta –, ainda que não necessariamente naqueles moldes, mas a alargar a base da pirâmide do futebol nacional. Por exemplo, um Campeonato de Portugal com Zona Norte e Zona Sul, acolhendo as 32 equipas hoje colocadas entre o segundo e o nono lugar de cada Grupo, e depois um quarto escalão no qual entrariam as restantes 36 equipas do atual campeonato de Portugal, todos os campeões distritais e as equipas classificadas a seguir, racionadas pelo número de inscritos em cada associação, de maneira a que pudessem ser feitas cinco séries, também de 16 equipas cada.
É o ideal? De forma alguma. Mas se a paragem se prolongar por muito mais tempo, será o possível.
António Tadeia (Antoniotadeia.com)