A aventura de Jorge Rodrigues

Era uma vez uma aldeia naquilo que hoje se conhece por Trás-os-Montes que os reis resolveram transformar em vila, numa Vila Real, com o peso que isso traz em plena idade de afirmação monárquica e de nação. Afonso, Dinis, Henrique, dividem-se os historiadores sobre o primeiro foral real, sobre a afirmação de Vila Real enquanto importante povoação para assegurar ao reino português mais um estabelecimento a nordeste na definição fronteiriça para com os vários outros reinos ibéricos e na criação de novos locais de desenvolvimento populacional permanente.

Foi com o crescimento do Alto Douro Vinhateiro que a Vila Real ganha uma dimensão ainda mais nobre, passando a acolher diversas famílias da sociedade nobiliárquica lusa.
Em Vila Real, para lá do Marão, recatada e simpática cidade, ‘capital provincial’ daquilo que se conheceu durante décadas por Trás-os-Montes e Alto Douro, nasceu Jorge Rodrigues que, como a maioria das crianças a certa altura, sonhou com o futebol.

A formação começa-a no Abambres, clube sediado na famosa terra que deu nome ao ‘Mateus Rosé’ e logo aí é campeão distrital de infantis. Nos juvenis ruma ao Vila Real, chega a mais famoso dos ‘desconhecidos’ campos de futebol portugueses, o Monte da Forca, um sugestivo nome para uma inexpugnável fortaleza futebolística, que – naturalmente – conta desde há algum tempo também com o Calvário para ainda massacrar mais os invasores visitantes.

É no contexto do Vila Real que Jorge Rodrigues experimenta o futebol sénior pela primeira vez, estreando-se na sempre competitiva II Divisão B, longe de imaginar o rumo da carreira, onde acumulou mais de 200 desafios no terceiro escalão luso antes da emigração.
Orientava os transmontanos o vila-condense Quim Vitorino. No plantel tinha um ex-primodivisionário na baliza, Nuno Neto, surgindo um local, conterrâneo de Jorge Rodrigues, Murta, para desafiar Neto na guarda das redes. Clube famoso pelas alcunhas, tinha visto Schuster dali emergir rumo ao, ainda grande, Salgueiros, mas na esquerda contava com outro vila-realense de alcunha consagrada, Gordilho. Com formação entre Rio Ave e FC Porto, falhada a afirmação no Sporting Braga, Renato era um central a observar para o mais jovem Jorge Rodrigues. Nuno Freddy era outro concorrente local à posição e também na lateral esquerda, como Gordilho, um futebolista cuja carreira foi martirizada por lesões, Álvaro Gregório, internacional luso em todas as camadas jovens, campeão europeu de sub16, vice-campeão europeu de sub18 e esteve nos pré-convocados para o Mundial de sub20 de 1991, que Portugal venceria.

O brasileiro René Rivas tinha quatro anos de Primeira, chegou a Portugal para o Campomaiorense, teve uma passagem pelos EUA e retornou à terra da Delta, esteve no Santa Clara de ‘Primeira’ e era um reforço de peso no Vila Real 01/02, outro nome por onde Jorge Rodrigues podia absorver ensinamentos sobre a defesa. André Lisboa era outro jovem da terra a afirmar-se, tendo como professor Carlos Pinto. O hoje treinador formado no Paços de Ferreira não se afirmou nos ‘Castores’ mas realizou uma sólida carreira nos escalões secundários. Com Jorge subiu o médio Dani, que tinha experimentado os iniciados do FC Porto antes de retornar a Vila Real.

A capital transmontana já havia produzido alguns talentos para o futebol luso, com natural realce para Fraguito, que brilhou com a camisola do Sporting CP e cujo sobrinho Filipe Fraguito realizou uma vida quase de carreira no Vila Real. Outro companheiro de equipa subiu a sénior oriundo do FC Porto. Vila-condense como o treinador, Toninho começou no Rio Ave, transitou para os ‘dragões’, onde chegou aos sub16 e sub17 nacionais, fazendo o tirocínio sénior neste plantel do Vila Real. Tiago Martins, homem de Esposende, foi o goleador de serviço, 17 golos para a sua melhor temporada como futebolista. No ataque estava igualmente o veterano João Rosário, com quase 100 partidas de Primeira Divisão e prestes a fechar a carreira. Faltava mais uma alcunha local, Jusko, outro companheiro dos juniores a subir ao plantel principal.
André Novais, outro colega das camadas jovens, havia passado um par de épocas nos juvenis do FC Porto, regressando para os juniores e juntando-se aos seniores em 03/04, altura em que chega outro internacional jovem luso, o ala Sílvio, albergariense que fez companhia a Novais no FC Porto e se mudou para Vila Real, do União Lamas, a meio da época, não esquecendo outro homem com carreira ligada ao Vila Real, promovido nesta época ao plantel sénior, Nuno Meia.

A descida do Vila Real leva Jorge Rodrigues, estudante da Comunicação na UTAD, a viajar para sul e assentar arraiais em Pombal, não deixando ainda a ligação nobre, afinal, não se pode dissociar Pombal do seu mais famoso Marquês.
A solidez demonstrada pelo jovem central assegurou-lhe também aqui lugar de primeira escolha.
Em Pombal teve por companheiros nomes como Pedro Duarte, Eduardo e João Pedro na baliza, dois guardiões que já haviam sentido os sabores da Primeira Liga, mesmo que num papel terciário.

Na região de Fátima ter um Marto no plantel, seja familiar mais ou menos próximo dos ‘pastorinhos’, deve ser normal e Eduardo Marto estreava-se no plantel sénior do clube depois de passar por toda a formação. Companheiros com passagens pela formação portista também foram normais na carreira de Jorge Rodrigues e em Pombal estava Miguel Costa, lateral esquerdo, internacional português em todas as camadas jovens e totalista nos jogos lusos no Mundial de sub17 equatoriano em 1995. O seu colega no centro da defesa era um formando alcanterense que havia ajudado a fazer regressar a Académica ao máximo escalão em 2002 e tinha alinhado pelos estudantes na Primeira Liga apenas um ano antes de chegar a Pombal. Bem mais experimentado já era o avançado Nilton, igualmente formando da Constituição, internacional por Portugal nos sub17 e sub19 e ‘AA’ por Cabo Verde, contando com diversas temporadas de Primeira e Segunda de Honra antes de chegar a Pombal.

Para o meio-campo e linha ofensiva, Jorge Rodrigues encontrou nomes locais/regionais que o futebol português profundo bem reconhece, nomes como os irmãos Raquete, como João Campos, como o luso-venezuelano Pazito ou como Miguel Tomás, o irmão do internacional João Tomás, isto sem esquecer mais um curioso apelido, Piquet, imaginando-se que Nélson, lateral direito formado na União Leiria, fosse bem veloz.

Bacari, que é internacional pela Guiné-Bissau, começava a mostrar-se nos escalões secundários. O lateral Tó Sá chega em 2004 para pendurar as chuteiras no clube, sendo mais um experiente elemento a ‘abençoar’ o crescimento de Jorge Rodrigues. Da Académica vem ainda Miguel Marques, uma promessa do meio-campo que nunca confirmou a razão para ter sido internacional jovem no futebol sénior, assim como Rui Miguel, este com carreira internacional e afirmação. O fim da equipa ‘B’ da Académica, na segunda tentativa de implementação do modelo em Portugal, levou a um protocolo com o Sporting Pombal, que acolheu diversos elementos de Coimbra. Não foi o caso de Miguel Pinho, outra promessa aquém da confirmação no futebol sénior.

O sonho do profissionalismo continuava e os clubes insulares ainda pagavam acima da média. Desta forma, da sua Vila Real nordestina, Jorge Rodrigues ruma ao ocidente lusitano, os Açores.
Agatão, médio alentejano com uma década de Primeira Divisão, experiência europeia e afins, deixava o Santa Clara, onde havia servido como adjunto e assumido em estreia o comando face ao despedimento de Formosinho, mas mantinha-se em São Miguel e assumia o Operário, onde permaneceria por oito
Nesta temporada de 05/06 a equipa reforça-se em peso e acolhe nomes como o guardião Gustavo, Luís Soares, locais, mas também outro guarda-redes com experiência, ainda que em papel secundário, na Primeira, o luso-angolano Paulo Freitas. O lateral esquerdo Nélson Silva, com passagem pelos escalões do Benfica e pelo Vitória FC (Setúbal) em época de descida da primeira. Outro nome com experiência jovem no Benfica e nas selecções era Hugo Grilo, concorrente de Jorge Rodrigues para o centro da defesa. Também ‘águia jovem’ havia sido Marco Osório, que chega a meio da época, tal como o brasileiro Cílio Souza. Aqui encontra Cláudio Abreu, uma influência semelhante à de René Rivas em Vila Real. O agora internacional canadiano Pedro Pacheco foi outra chegada interessante ao clube.

A equipa luta pela subida até final mas termina em 4.º lugar na Série D da II Divisão B, a três pontos do vencedor, Olivais e Moscavide. Na época seguinte o clube é transferido para a Série C e acaba em 2.º lugar, a quatro pontos do Fátima (de Jorge Paixão e Rui Vitória). Jorge Rodrigues vê chegarem o veterano guarda-redes Serrão, Miguel Lopes (sim, o lateral internacional português), na altura ainda extremo, Márcio Madeira, filho do antigo futebolista Vítor Madeira, Tiago Caeiro (sim, o de Os Belenenses), na primeira experiência deste na II B, e dois internacionais jovens, Nuno Curto, que nunca confirmou o potencial demonstrado nas camadas jovens sadinas, e o açoriano Diogo Fonseca, que parecia caminhar para a sucessão de Pauleta, contudo estagnou no processo evolutivo.

A terceira época de Operário vê Jorge Rodrigues perder a condição de titular e começar a estar no banco, dividindo-se entre a titularidade e a entrada durante o encontro. O clube volta a ser vice-campeão, mas longe do vencedor. Chegam o brasileiro Alex Garcia, o promissor lateral esquerdo João Cardoso, o argentino Giraudo. A experiência de Miguel deve ter agradado e o gémeo Nuno integra o plantel nesta temporada também.
Apesar do carinho demonstrado na Lagoa, a ambição do profissionalismo ao mais alto nível permanecia com Jorge Rodrigues e, aos 26 anos, decidiu sair do país, percebendo que em Portugal não lhe abriam as portas para entrar nas duas ligas profissionais.

A primeira aventura no estrangeiro, ND Gorica.

O hábito da distância familiar já se havia instalado com três temporadas nos Açores pelo que uma ida para o estrangeiro era mais confortável para suportar. A proposta mais sólida surgiu da Eslovénia e compromete-se com o ND Gorica, onde realiza 13 partidas e aponta três golos em metade da temporada.
A pausa invernal dá-lhe o segundo período de dura aprendizagem. A ida para os Açores faz Jorge Rodrigues amadurecer e crescer fora do ambiente familiar, sentindo-se sempre apoiado a acarinhado pelas gentes locais. Na Eslovénia a época também correu bem, o suficiente para ser abordado com uma milionária proposta da China, sendo-lhe solicitado sigilo absoluto. Viajou para a China durante a ampla pausa invernal da liga eslovena, contudo as condições oferecidas estavam longe do prometido pelo empresário. O clube esloveno soube da viagem e não lhe renovou o contrato.

Um regresso a Portugal impôs-se e foi no histórico caído nas profundezas da II Divisão B uma década depois de ter sido campeão nacional, Boavista, que Jorge Rodrigues retoma o futebol, orientado por Vítor Paneira e debatendo-se por minutos face à falta de ritmo natural a uma ausência de mais de meio ano dos relvados. Aqui encontra Avelino, guarda-redes outrora promissor do FC Porto (eis a contínua relação com as camadas jovens dos dragões), internacional português até aos sub21, com carreira sénior abaixo do esperado, em contraponto com o seu suplente das camadas jovens Hilário. Outro antigo internacional jovem luso, o aveirense Ribeiro, tal como o bracarense Sérgio Pereira, o gaiense André Pereira, mais um produto do FC Porto, o homem da casa Jorge Silva, internacional português em todas as categorias e de regresso ao clube, ou outra antiga promessa lusa, o leixonense Cadinha.

Se antes Jorge Rodrigues não se havia cruzado com ex-companheiros em clubes distintos, no Bessa reencontra Nuno Lopes e o açoriano Diogo Fonseca, ambos colegas na passagem pelo Operário. A equipa, contudo, apesar de ostentar um emblema importante no panorama do futebol e do desporto português, passava pelo pior período da sua história e salários em atraso foram somente uma das várias contrariedades da época.

Muda-se do Porto para Tondela, numa altura em que o clube se vai moldando para invadir o futebol profissional, tendo como treinador Filipe Moreira (o Jorge Jesus da IIB, como alguns o apelidam) coadjuvado por Pepa, actual treinador do Feirense, num excelente desempenho, época que marcou a despedida de Rui Marcos das balizas. A presença ‘portista’ permanece com o lateral Luís Carvalho, mas o plantel incluía ainda o brasileiro Diego Galo, com quem emparceirou em vários dos jogos. Fernando Ferreira acresce aos antigos internacionais jovens com quem Jorge partilhou balneários, um viseense formado entre o Académico local e o Sporting CP. O guine-bissauense Emiliano Té o são-tomense Jucélio, o angolano Aguinaldo ou o burquinabê Zongo foram outros nomes de um plantel que tinha como estrela maior outra promessa não confirmada do futebol luso, o jovem que deixava João Moutinho no banco, Márcio Sousa, vimaranense formado entre Vitória SC (Guimarães) e FC Porto, onde era o ‘Maradona’, artista real do Bom Futebol, mas com um peso demasiado pungente para carregar. O extremo Paulo Ferreira era outro internacional jovem formado entre FC Porto e Leixões a partilhar o balneário com o central vila-realense.
Encontrava ainda Luís Miguel, que havia alinhado no Vila Real quando Jorge Rodrigues ali estava nos juvenis, e um eterno de Tondela, o argentino Piojo, homem das quatro subidas, da III à I.
O João Cardoso ainda não tinha este bonito aspecto quando Jorge Rodrigues ali alinhou.
O regresso a Portugal visava a chegada à Primeira Liga, mas telefonemas apenas do estrangeiro, havia interesse mas este surgia de outras bandas.

Hidetoshi Wakui havia partilhado o balneário esloveno com Jorge Rodrigues e, tal como o transmontano, tinha ficado sem clube no mesmo mercado invernal. Entretanto, ‘Toshi’ havia passado pela República Checa, pela Bielorrússia e chegava à Meistriliiga da Estónia.
Os ‘Roosad Pantrid’ (Panteras Cor-de-rosa) do Nomme Kalju havia sido recriados em 1997 e em 2008 tinham atingido pela primeira vez o máximo escalão estoniano depois da independência. A equipa trabalhava para se aproximar dos históricos Levadia e Flora, que dividiam o poder no futebol local.
Neste contexto, ‘Toshi’ Wakui contactou Jorge dizendo-lhe que o clube precisava de alguém com as suas características. Era altura de decisões, Portugal semi-amador, semi-profissional, apostar nos estudos ou assumir o profissionalismo e voltar a deixar Portugal.
A Vila Real chegou na mesma altura uma proposta da exótica Tailândia, mas a certeza de um amigo sobrepunha-se ao peso do desengano passado e a escolha recaiu no frio.
Um treino bastou para o clube acertar a sua permanência. Depois do clube fazer 4.º, 5.º, 4.º, a chegada de Jorge Rodrigues vê o Nomme Kalju ser vice-campeão e, já adaptado às condições tão diversas, o luso é fulcral no título nacional de 2012, uma pedrada no charco dominador dos bem mais fortes, teoricamente, rivais da capital.
No início a percepção da maneira de ser estoniana foi complicada, particularmente para um latino, mas o tempo ajudou a compreendê-los e perceber as suas idiossincrasias.
Fã de João Vieira Pinto, Jorge Rodrigues não dispensa a culinária lusa, aquilo que mais falta lhe faz na Estónia, particularmente o bacalhau e tudo o que o acompanha.

Depois de mais de quatro anos, Tallinn já é segunda casa para o futebolista transmontano. Ter um adjunto brasileiro e colegas japoneses que falavam o idioma de Camões facilitou no processo de adaptação, mas hoje em dia Jorge está totalmente adaptado ao dia-a-dia da Estónia, mesmo no inverno Báltico.

Da II Divisão B lusa Jorge Rodrigues saltou para os títulos nacionais estonianos, liga em 2012, taça em 2015, presenças em preliminares da Liga dos Campeões e da Liga Europa, estando cada vez mais certo da escolha que fez em 2011. A relação com os companheiros é óptima e isso percebe-se facilmente em cada encontro.

Entretanto, fora dos relvados Jorge Rodrigues continua a trabalhar, tirou um curso na Estónia para trabalhar na formação e uma das coisas que mais aprecia é visitar os escalões formativos do Nomme Kalju.
No fim-de-semana passado, em jogo a contar para a 3.ª jornada da Premium Liiga, Jorge Rodrigues estreou-se a bisar num jogo, mesmo que o primeiro tento tenha sido atribuído ao seu colega da defesa Karl Mool, que toca a bola em cima da linha, num regresso aos triunfos depois da surpreendente derrota da jornada 2.

O bom ambiente do plantel vê-se num dos momentos vídeos que correu o mundo virtual, a celebração de golo por Hidetoshi Wakui com imitação de um strike de bowling, um verdadeiro momento de Bom Futebol.

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