O Caldas SC abriu uma via de diálogo com investidores com vista à criação de uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD), informou a direção do clube aos cerca de 90 sócios presentes na assembleia geral que decorreu na noite de terça-feira, 5 de dezembro. Nesta fase não há ainda propostas, mas as crescentes dificuldades financeiras do clube, que acumula cerca de 600 mil euros de prejuízos nos últimos três anos e que entrou, no último exercício, em situação de capitais próprios negativos, fazem deste um dos cenários a avaliar pelos associados nos próximos meses relativamente ao futuro do clube e da sua equipa principal de futebol.
A direção do Caldas levou à assembleia-geral Jorge Santos, sócio da KPMG em Portugal, para explicar as possibilidades que o clube tem na procura de um investidor. A KPMG é uma empresa que atua no ramo da consultoria, auditoria e fiscalidade e que tem uma vertente ligada à consultoria na área desportiva. Esta não investe diretamente nos clubes, mas presta serviços de consultoria para projetos de investimento. Jorge Santos explicou que o Caldas foi um dos clubes identificados como “interessante” para possíveis investimentos, num estudo que a empresa fez há 18 meses. “Tivemos um pedido de congéneres internacionais para estudar aprofundadamente a realidade futebol português. Fizemos um levantamento de 70 clubes, entre eles Caldas, avaliando as necessidades e oportunidades de investimento. Temos vindo a ser abordados por clubes e investidores que nos auscultam no sentido de perceber oportunidades de negócio”, disse Jorge Santos, explicando que não estava na AG do Caldas no papel de investidor, nem mandatado por alguém para tal. “Estou porque, da avaliação que fizemos, o Caldas sem dúvida que tem um conjunto de valências e características que o distinguem de muitos outros”, acrescentou.
No verão, a KPMG abordou o Caldas quando à abertura para receber projetos de investimento e essas conversas têm-se mantido, resultando, agora, nesta abordagem direta aos sócios.
Jorge Santos realçou que o Caldas se destaca pelo seu património histórico, pela sua realidade atual, por estar inserido numa zona próxima a Lisboa, “que é um critério importante para investidores internacionais”, é clube com uma cultura própria, trabalhada mediaticamente nas campanhas da Taça até às meias-finais de 2017/18 e na época passada contra o Benfica. Tem uma estrutura de formação “melhorável, mas que consegue ter equipas a disputar campeonatos nacionais e coloca jogadores de qualidade na equipa sénior”, acrescentou.
O que é menos apetecível no clube são as infraestruturas, claramente subdimensionadas em relação a outros clubes de realidade semelhante, e a falta de uma equipa feminina, “que para efeitos de certificação é importante”, sublinhou.
O representante da KPMG realçou que o clube não pode querer “qualquer investidor”, mas salientou que, se o clube avançar para a profissionalização da sua estrutura de futebol, “não faltarão interessados”.
Jorge Santos acrescentou que o projeto deverá ter como premissas fundamentais trazer investimento às Caldas e ao Caldas; a separação do futebol sénior, com reforço competitivo das equipas e a avaliação das condições para a existência de uma equipa feminina; a criação de uma infraestrutura para recuperação e reabilitação física de atletas, tirando partido de as Caldas serem conhecidas pelas termas; e assegurar que o clube tem condições financeiras para manter e melhorar as infraestruturas e formar talentos”.
Respondeu, depois, a várias questões dos sócios do Caldas, a começar pela continuidade na Mata. “Nenhum investidor que olhe para o Caldas vai querer sair”, disse, mas o recinto “tem que cumprir com as exigências da liga onde o Caldas estiver a competir”. De quem seria a responsabilidade por manter o estádio apto? “O que é normal é estabelecer um contrato entre SAD e clube com responsabilidades dos dois lados, quando a responsabilidade é do lado do clube, a SAD paga renda, quando é do lado da SAD, esta tem responsabilidade de cumprir os requisitos. Por norma, quando se trata de gente racional, os interesses convergem”, explicou, acrescentando que a dimensão do recinto “é interessante a sua para rentabilização”.
Quanto aos cenários da profissionalização do futebol, o representante da KPMG disse que o normal é que a equipa principal seja acompanhada de outra de formação, que no caso do Caldas poderá ser a equipa B, embora diferentes investidores possam querer também abranger parte da formação.
Em relação à credibilidade dos possíveis investidores, Jorge Santos afirmou que, como entidade regulada, a KPMG “precisa de saber de onde vem o dinheiro”, o que é uma segurança para o clube.
Jorge Santos disse ainda que não há um calendário definido para avançar com possíveis projetos. “Estamos a discutir o caminho, que modelo pode interessar. O normal é haver uma AG com o projeto consolidado e ser dado tempo aos sócios para refletir antes da votação, ou então uma apresentação prévia”, disse. No entanto, referiu que seria bom começar a próxima época “num contexto diferente”.
Prejuízo de 258 mil euros
A possibilidade de profissionalizar o futebol sénior do Caldas com apoio de investidores ganha força numa altura em que o clube acumula prejuízos e já gastou a almofada financeira que ganhou com a cedência dos direitos de superfície do posto de combustíveis à Galp por 1,5 milhões de euros (dos quais 1 milhão recebido à cabeça) em 2020.
Na assembleia foram apresentadas, e aprovadas, as contas da temporada 2022/23, com um resultado líquido negativo de cerca de 258 mil euros. Os gastos com o pessoal ascenderam a 360 mil euros, mais 96 mil euros do que na época anterior, e os fornecimentos externos agravaram 270 mil euros, para 720 mil.
Os prejuízos nas três últimas temporadas ascendem a mais de 620 mil euros, com os 258 mil euros deste ano a somarem-se aos 195 mil do exercício passado e aos cerca de 170 mil euros do anterior, o que já levou o clube para terrenos negativos em relação aos capitais próprios. Isto significa que, contabilisticamente, o clube entrou numa situação de falência técnica (quando o passivo é superior ao ativo).
Os sócios aprovaram também o orçamento para a temporada em curso, que prevê um prejuízo de cerca de 64 mil euros, mas num cenário em que o clube terá que reforçar a receita em relação ao ano anterior em cerca de 100 mil euros.
É esta perspetiva de agravamento da saúde financeira do clube que obriga a medidas. Ou o clube encontra outras formas de se financiar para manter o nível competitivo que tem demonstrado nas épocas recentes, ou terá que reajustar a dimensão do seu projeto desportivo às receitas que tem atualmente. Os próximos meses serão, assim, decisivos para o futuro do Caldas, que em março do próximo ano terá um processo eleitoral para os órgãos sociais.
JOEL RIBEIRO (www.gazetadascaldas.pt)