A situação que estamos a viver devido à pandemia do Covid-19 leva a atenção de todos para o que verdadeiramente importa, que é a melhor forma de impedir o avanço do vírus, mas não pode deixar sem resposta algumas perguntas que acabarão por interessar a todos os adeptos de futebol quando este momento mau passar. O que devem fazer as Ligas e Federações caso seja impossível retomar as épocas desportivas a tempo? Quem vai ser designado campeão? Quem acede às competições europeias da próxima temporada? E quem desce de divisão? E quem sobe?
Há quem se bata por uma solução única, patrocinada pela UEFA, que também tem um grande problema em mãos: o Euro’2020, ainda por cima o primeiro grande evento desportivo cuja organização seria espalhada pela Europa, em forma de apologia da mobilidade, essa mesma mobilidade que o Covid-19 veio impedir. Nos bastidores diz-se que a UEFA se prepara para adiar o Europeu para 2021, dessa forma sacrificando a fase final da Liga das Nações, e que já encara também a hipótese de modificar o formato das fases decisivas das suas competições de clubes desta época, realizando as eliminatórias que restam a uma só mão e reunindo os quatro semi-finalistas numa Final Four, num único local. Tudo com o objetivo de concluir as competições até meados de Julho e de, entretanto, arranjar datas para que as Ligas nacionais possam também chegar ao fim.
Mas… e se, tal como parece cada vez mais provável, isso não for possível? Se a marcha do vírus está ainda na curva ascensional, dificilmente haverá condições para se voltar a jogar antes de final de Maio. Ter a noção disso não é ser pessimista: é ser realista. Até porque os diferentes países vão em fases diferentes da pandemia – e vão sair dela também em alturas diferentes, o que dificultará a realização de viagens e deslocações pelo continente. O que pode fazer-se nessa altura, quando há Ligas que ainda têm mais de uma dezena de jornadas por realizar?
Aqui, não há soluções que sejam absolutamente justas. Quais são, então, as hipóteses que estão em cima da mesa? Há, sobretudo, quatro.
A primeira, que passa por declarar a época nula, é injusta para equipas como o Liverpool FC, por exemplo, que leva 25 pontos de avanço sobre o segundo classificado da Premier League, o Manchester City, e iria sagrar-se campeão inglês de qualquer maneira, interrompendo um jejum de 30 anos. O mesmo pode dizer-se, por exemplo, em Portugal, de equipas como o Farense e o Nacional, cuja vantagem na II Liga é tão grande que, mesmo que ainda tivessem de disputar entre elas o título de campeão, dificilmente deixariam de subir e recolher o justo prémio pelo investimento feito.
A segunda, que passa por declarar como final a classificação atual das competições, é injusta para equipas que estão atrás mas têm um calendário aparentemente mais fácil do que os líderes. O Borussia Dortmund, por exemplo, segue atrás do Bayern na Bundesliga, mas recebe os bávaros na próxima ronda – e é justo que o faça, porque teve de jogar em Munique na primeira volta. Por isso, também é igualmente injusta a terceira hipótese, a que prevê que, para evitar situações de desequilíbrio nascidas de uns terem jogado duas vezes com rivais mais débeis e outros o terem feito com adversários mais fortes, se recupere a classificação do final da primeira volta, quando toda a gente tinha jogado uma vez com cada um dos outros clubes. Ora isso, só para pegar no caso português, daria Benfica campeão em vez do FC Porto, que é o atual líder, e colocaria o FC Famalicão na Liga Europa em vez do Rio Ave, que desde essa altura galgou lugares na tabela e está em posição europeia, com SC Braga, Sporting e Vitória SC. Já se imagina o fim do Mundo que isto seria.
A solução mais justa, no meio de toda esta injustiça é, ainda assim, a quarta, a que defende o prolongamento da época pelos meses de Verão e até, se caso disso for, pelo Outono, só se iniciando a época de 2020/21 quando isso for possível, com calendários de contingência. Ora mesmo supondo que, sem receita, todos os clubes conseguem cumprir as suas obrigações e manter os plantéis nestes meses, o maior problema é que os contratos de muitos jogadores acabam em final de Junho, o que os deixa, a partir daí, livres de assinar por outros clubes. Não há, realmente, quaisquer garantias de que as equipas que nessa altura venham a concluir as competições sejam as mesmas que as iniciaram – e esta hipótese abre a possibilidade de sabotagem de mercado, de alguns clubes fazerem raides aos plantéis alheios, desvirtuando a competição. Mas essa parece-me, ainda assim, a menos má de todas as soluções face a um problema que é real e que obrigará sempre a cedências.
António Tadeia (www.antoniotadeia.com)