Nuno Dias é o treinador do momento. Momento esse que dura há pelo menos três anos. No Instituto D. João V lançou as bases. Nos primeiros tempos no Sporting cimentou-as. E com a vitória na Ronda de Elite da UEFA Futsal Cup, em Novembro do ano passado, e consequente apuramento para a fase final da prova, tocou o céu. Nos 117 jogos realizados à frente do clube “leonino” Nuno Dias regista umas impressionantes 100 vitórias. O treinador que escolhe as suas equipas segundo um método de pontuação nos treinos estava destinado a alcançar o sucesso.
Pep Guardiola revolucionou o futebol. Nuno Dias está a fazer o mesmo no futsal. O espanhol, que comandou o Barcelona de 2008 a 2012, repescou o famoso tiki taka, enraizado no ADN do clube catalão desde Johan Cruyff, e deu-lhe o seu toque pessoal, promovendo um domínio assombroso da sua equipa sobre todos os adversários. Estudioso, metódico e obcecado pela modalidade, são muitos os pontos em comum com Nuno Dias.
O português destacou-se como jogador no clube amador Instituto D. João V, que já nessa altura competia na I Divisão. Conquistou títulos, foi presença assídua na selecção nacional e tornou-se capitão de equipa, revelando apetência pelos aspectos técnico-tácticos do jogo. E foi numa altura em que conciliava a carreira de jogador com o ensino de Educação Física e ainda com a orientação dos escalões jovens do Instituto, que surgiu o convite para assumir o cargo de treinador principal daquele clube do distrito de Leiria. Começava aí uma nova etapa.
Nas cinco épocas à frente do Instituto conseguiu sempre intrometer-se nos lugares cimeiros do principal escalão do campeonato e nos dois últimos anos de existência do clube, que coincidiram com os seus dois últimos anos ao comando da equipa, chegou mesmo às meias-finais dos play-off do campeonato.
O estudo pormenorizado de cada adversário é uma das características do trabalho feito por Nuno Dias. Ventura Pereira, que foi director desportivo e presidente do Instituto e acompanhou de perto a carreira de Nuno, lembra um episódio exemplificativo disso mesmo: “Houve um jogo que fizemos, em que sabíamos que se estivéssemos a ganhar eles iam jogar no 5 para 4. O Nuno adivinhou os cinco jogadores adversários e adivinhou as jogadas que iam fazer”.
A separação foi dolorosa, mais ainda pela sua inevitabilidade. O Instituto D. João V fechou as portas no fim da época 2010-11 devido a falta de patrocínios. Moscovo foi a próxima paragem. Aceitou o convite lançado por Paulo Tavares, treinador experiente do futsal português e actual treinador do Sp. Braga, para o coadjuvar no comando do CSKA, interrompendo momentaneamente a função de técnico principal. A experiência durou apenas uma época.
Miguel Albuquerque, director do futsal do Sporting, não perdeu tempo – “conhecia-o dos confrontos com o Instituto, tanto como jogador como depois como treinador” – e convidou Nuno Dias para assumir o comando da equipa de futsal “leonina”.
Na época de estreia ao serviço do Sporting, 2012-13, Nuno Dias ganhou as duas competições que discutiu, o Campeonato e a Taça, atingindo ainda a marca de 37 vitórias em 39 jogos. Na segunda época juntou mais uma Supertaça, outro campeonato e a novíssima Taça de Honra da Associação de Futsal de Lisboa. Nesta terceira temporada, ainda em curso, conquistou o único troféu disputado até ao momento, a Supertaça. Na edição transacta da UEFA Futsal Cup, a Liga dos Campeões do futsal, caiu aos pés do Araz do Azerbeijão, uma das melhores equipas do mundo. Já este ano a história foi diferente. a.
A pontuação dos jogadores em cada treino é algo de inovador. Cada unidade de treino representa uma pontuação. As escolhas para o jogo resultam do somatório da semana de trabalho
“Eu vi o jogo do Sporting contra o Inter Movistar e qualquer pessoa que perceba o mínimo de futsal sabe que o Inter tem à partida melhor equipa que o Sporting. Mas o esforço desenvolvido pelos jogadores do Sporting só deu frutos devido à estratégia definida pelo treinador, assente num profundo estudo da equipa contrária e na potenciação das qualidades da sua equipa”, afirma Ventura Pereira. Miguel Albuquerque confirma o dedo do treinador na vitória: “O Sporting está na final four com um golo de estratégia”.
Tal como Nuno Dias desempenhou o cargo de treinador adjunto na aventura russa, hoje em dia a sua equipa técnica composta pelos adjuntos Paulo Luís e Zezito e pelo treinador de guarda-redes Raul Oliveira, também assume um papel determinante nos sucessos: “O Paulo Luís foi um pedido expresso do Nuno. Ele é um dos grandes cérebros de toda a operação futsal do Sporting. É uma pessoa muito ponderada. Quando às vezes o Nuno entra em órbita, é ele que o faz descer à Terra. É a voz da consciência do Nuno”, lembra Miguel Albuquerque.
Já com Zezito a história foi diferente: “Na minha cabeça a mudança que devia acontecer no Sporting passava pela aposta em referências, em valores, e tínhamos que fazer regressar rapidamente para treinador adjunto aquele que durante muitos anos foi o capitão do Sporting e que todos viam como um líder no balneário, que era o Zezito. O que as pessoas não sabem é que o Nuno e o Zezito não se falavam. Nem eles próprios sabiam bem porquê. Picardias dentro de campo, provavelmente. Era algo que já vinha do tempo em que eram jogadores e capitães das respectivas equipas, o Zezito no Sporting e o Nuno no Instituto, e chegava ao ponto de não se cumprimentarem na altura de escolher o campo. Nem sequer quando se juntavam na selecção. Felizmente na primeira vez que nos sentámos todos juntos à mesa eles entenderam-se rapidamente”, recorda o director do futsal do Sporting.
Os métodos inovadores de treino, a sua forma de encarar o jogo, o estudo exaustivo dos seus adversários, tornam Nuno Dias uma referência mundial da modalidade. Miguel Albuquerque explica: “Revolucionou a metodologia de treino. Para ele o jogo é um reflexo do treino e não vice-versa. A pontuação dos jogadores em cada treino é algo de inovador. Cada unidade de treino representa uma pontuação. As escolhas para o jogo resultam do somatório da semana de trabalho. Mas vai mais longe. Nós já fazemos a transposição disto tudo para os contratos dos jogadores, que já são feitos com desempenho desportivo de treino”.
Também o antigo director desportivo e presidente do Instituto, Ventura Pereira, elogia a visão do técnico português: “Comparo o Nuno a um jogador de xadrez. Quando ele faz uma coisa já sabe que vai tirar partido disso nas duas, três ou quatro jogadas a seguir”.
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